Pra começo de conversa...


Ela reclamou da torta de limão que decidiram dividir. "Isso tava uma merda!", disse.  Mas só depois de terminar o pedaço, que fique claro. Olhei discretamente pro casal. Sentada na mesa ao lado, oscilava entre me concentrar na minha leitura e prestar atenção à conversa.

"É importante o filósofo ter em mente as incontáveis circunstâncias da vida em que ele em nada se distingue de qualquer outra pessoa..." 

Mantive o foco por duas páginas. Até que a bomba caiu no meu colo - e no do rapaz, obviamente.

-Eu te chamei aqui porque precisava conversar. Acho que tudo está indo rápido demais, que a gente precisa de mais tempo pra se conhecer.

Pausa pra resposta dele, que não veio. Consegui ler mais dois parágrafos.

(...)

- Você ficou chateado? Pode falar...
- Não, tudo bem.
- Mas você me entende?
- Aham
- Não está mesmo chateado?

A DR deu lugar à ladainha. Voltei pro livro.

"Ora, no mundo hoje, é amplamente difundida a convicção de que cada um segue, apenas, seu próprio interesse."

- É porque eu te acho frio, distante. Você não parece se importar, fazer questão. Eu queria que você se abrisse mais, falasse o que sente, o que gosta. Me parece indeciso... Acho muito frustrante gente assim...

As alfinetadas continuaram e eu já não sabia se entrava na sala de cinema ou esperava mais um pouco, na esperança de assistir a alguma reação do rapaz. Mas ele se manteve em silêncio. Vez ou outra balbuciava, timidamente, alguns sons que eu não conseguia ouvir. Foi quando comecei a ter dó da menina. Aquilo era quase um pedido de socorro, uma chacoalhada desesperada, pra retirar dele alguma resposta, um sinal  verde - ou vermelho- , um motivo pra ficar ou ir.

Continuei sentada e tentei ver o rosto dos dois. O desconforto era visível no corpo dele. No dela, havia uma inquietação. Olhei em volta e, aparentemente, apenas eu tinha dado conta do que acontecia.  Não sei por que, mas tenho a  impressão que dali em diante, houve apenas uma sucessão de frases repetidas - da parte dela- e de tímidas e breves ponderações - da parte dele.

Paguei a conta, deixei a mesa, fui assistir ao filme cujos título e história nem me recordo mais. Saí na esperança de reencontrar o casal lá fora, mas já tinham ido quando voltei ao café.

Fui pra casa e terminei de ler o livro. "Elogio ao amor", de Alain Badiou.

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